Fábula é uma narrativa de ficção, que faz uso de alegorias para transmitir e levar as pessoas a refletirem sobre diversos comportamentos em sociedade, podendo haver diversas versões de uma mesma história.
O conto da formiga e da cigarra é uma fábula popular atribuída a Esopo e recontada pelo francês Jean de La Fontaine, que conta a história de uma formiga que trabalha duro durante o verão para coletar comida e construir um estoque para o inverno, enquanto a cigarra gasta todo o seu tempo cantando e dançando. Quando chega o inverno e a comida se torna escassa, a formiga tem suprimentos suficientes para sobreviver, enquanto a cigarra passa fome.
Essa história pode ser aplicada à pecuária, à medida que entra ano e sai ano, sabemos que vamos ter essa mesma dinâmica, que pode ser com intensidades diversas, dependendo onde você realiza sua atividade dentro desse grande país, pois, a mesma área de pasto que foi capaz de suportar 3-8 cabeças por hectare no período verão, um pouco a mais ou a menos dependendo do nível de intensificação, não terá essa mesma capacidade no inverno. Quanto maior a intensificação do sistema produtivo maior é o nível de planejamento exigido na atividade.
A necessidade de se fazer um estoque de forragem para uso nos períodos de seca é crucial para a sobrevivência do gado e do negócio. Durante as épocas de chuva e abundância de pasto, é importante coletar e armazenar forragem para uso durante a estação seca. Isso pode ser feito por meio de técnicas como a produção de feno, silagem, pré-secado ou diferimento de pasto que buscam preservar não só o valor nutricional dos alimentos, como a forragem em si.
No período mais frio do ano em que o gado pode sofrer com essa escassez de alimentos, levando a perda de peso, queda na produção de leite e até mesmo a morte dos animais é vital que o produtor rural se prepare para essa baixa disponibilidade de forragem, seja através do estoque de alimento, redução do número de animais (venda), confinamento, envio de animais para outras regiões, não importando a sua estratégia, pois não há uma solução universal. O mais importante é ter uma visão de futuro para identificar as oportunidades, ou mesmo fazer o café com leite, se precavendo como a formiga.
Um dos pontos onde podemos trabalhar é na reserva de forragem para esse período. A prática diária nos coloca frente a tomadas de decisões em situações não planejadas, o que é muito diferente de um ambiente acadêmico, de pesquisa, onde o trabalho é em um primeiro momento planejado e estabelecidos protocolos para se estudar certas condições. Esses conhecimentos servem de direcionamento para tomada de decisão no campo, buscando alcançar resultados de referência.
A criação de um ambiente de anaerobiose favorável para fermentação e produção de alguns ácidos orgânicos resulta na queda do pH e garante, assim, a conservação do material e a inibição da proliferação de microrganismos que podem deteriorar esse material. Quando falo “garante”, isso seria em um ambiente ideal, pois as atividades de que fazem parte esse processo, estão longe de serem ideais. Sempre haverá riscos em qualquer processo que vamos aplicar independente da atividade, cabe a nós buscarmos soluções para administrar essas perdas.
O que devemos buscar é a redução de perdas que ocorrem desde a implantação da cultura no campo advindas de manejo, clima ou pragas. Isso, mesmo antes de se iniciar o processo de ensilagem propriamente dito. Então, pensando dessa forma, podem haver perdas na colheita, picagem, transporte, compactação, vedação ou advindas dos processos no interior do silo, até obtermos uma estabilização desse material. Outras perdas podem vir a partir de danos no material utilizado para vedação. Todo cuidado deve ser tomado para garantir a integridade da lona usada, pois um pequeno descuido ao longo do tempo, pode levar a perda de grande parte do material ensilado.
Outro ponto, onde podemos intervir para melhorar os resultados da tecnologia de ensilagem é a utilização de inoculantes. Eles têm como objetivo garantir que estejam presentes, no momento de ensilar os diversos materiais, cepas de bactérias que produzam alguns ácidos orgânicos capazes de reduzir o pH da massa promovendo assim a estabilização da forragem ao longo do tempo, dessa forma obtemos então a silagem propriamente dita. Não esquecendo que a eficiência dessa estabilização está associada a realização correta de todos os outros processos de boas práticas de ensilagem. Sobre a atuação dessas bactérias, é claro que elas estão presentes nas estruturas das plantas, porém o que se busca com a inoculação é garantir uma população adequada desses microrganismos específicos desde o momento inicial de produção da silagem.
Por isso, mesmo depois da vedação do silo, não podemos nos descuidar, sendo obrigatório vistorias para garantir que não há rasgos, o que provoca a entrada de oxigênio no interior do silo. Lembre-se que silagem e oxigênio não combinam e não devem ficar no mesmo ambiente.
Identificando rasgos, deve-se proceder com o conserto da lona. As vistorias frequentes podem favorecer com que, ocorrendo algum rasgo, possam ser minimizados os efeitos negativos da presença de oxigênio no interior do silo. Pode-se usar algum material sobre a lona para que ela não fique diretamente exposta a algum tipo de impacto, como uma camada de material, isso depende também da forma do silo utilizado na propriedade e da praticidade de lidar com essa camada no momento do uso. Quer seja silo superfície, trincheira, “salsichão”, o indicado é isolar o local para evitar o acesso de qualquer tipo de animal.
Outras perdas podem prosseguir, a partir do momento da abertura, da retirada da silagem, da oferta e número de refeições ofertadas aos animais ou ainda sobras no cocho promovida por diversos fatores relacionados aos processos anteriores ou até mesmo o próprio balanceamento da dieta ofertada ao lote de animais que pode influenciar o desempenho animal.
Muitos podem pensar que o processo de ensilagem melhora o valor nutritivo da forragem conservada em relação àquela que a originou, mas não é verdade. Pode-se aplicar a alguns materiais, como a silagem de grão úmido, mas essa melhoria está diretamente relacionada ao tempo de estocagem, como tem demonstrado alguns trabalhos científicos, ao tempo em que esse material fica sob essa condição anaeróbica, com pH, sob ação dos ácidos orgânicos. Mais uma vez, a luta é buscar uma melhor eficiência nos processos para reduzir essas perdas.
Nesse tipo de silagem de grão úmido, o produtor pode antecipar a colheita da área de milho, liberando com antecedência a área para outro cultivo, mas dessa forma, demanda um cuidado maior, pois, com o passar dos dias o teor de MS destes grãos vai aumentando, exigindo uma intensificação nos processos de colheita e moagem dependendo dos equipamentos e do tamanho da área.
Quando se trabalha com esse tipo de silagem com grãos secos que serão reidratados, há uma margem maior nesse ponto do processo, pois o teor de MS desse grão fica praticamente estável.
A moagem obrigatória dos grãos deve ser um ponto de atenção, pois esse equipamento pode ditar a velocidade de colheita, apontando para uma ou outra forma de utilizar o grão, seja colhido úmido ou grão de milho seco para reidratar.
Outro ponto que demanda atenção com respeito a moagem, são de as partículas serem mais finas ou grosseiras, por um lado a moagem aumenta a superfície de contato a ação da proteólise sobre as prolaminas. Por outro pode afeta processos que ocorrem no rumem e no trato gastrointestinal dos animais alterando consumo de MS. Sempre tenha presente um profissional capacitado para balancear as dietas fornecidas aos animais, aproveitando assim o máximo da característica de cada alimento.
O que pode ser feito, e que se mostra mais prático, seria, com o milho no ponto de colheita para grão, fazer a estocagem. E, no momento de iniciar a ensilagem, fazer a medição da umidade do lote, e com essa valor calcular o volume de agua a ser adicionado. Para se obter um teor de umidade favorável para os processos de fermentação (35-40%, a medida que se aumenta ou reduz o teor de umidade, aumentam-se os riscos), e atividades das bactérias que são importantes para produção de ácidos orgânicos. No caso da silagem de grão úmido, devemos buscar a produção de ácidos que tenham um efeito antifúngico, principalmente o ácido acético, com o objetivo de proteção, principalmente no pós abertura, reduzindo assim as perdas me MS, ocasionadas à presença de fungos.
Mas não basta simplesmente ter muito ácido acético, pois pode haver uma relação negativa com o consumo.
O milho mais usado no Brasil é o de grãos do tipo duro/Flint, que possui uma maior proporção de estruturas compostas por proteínas chamadas de prolaminas o que acaba dificultando o acesso dos microrganismos à parte dos grânulos de amido presentes nos grãos de milho. Podemos melhorar o acesso e esse amido através da escolha do hibrido, tamanho das partículas, teor de umidade e o tempo em que a silagem fica armazenada sob o processo fermentativo. Essas proteínas, podem ser uma barreira para o acesso aos grânulos de amido, mas são importantes estruturas que conferem maior ou menor resistência ao ataque de pragas.
Trabalhos têm demonstrado que mais estudos precisam ser realizados para entender e estabelecer as relações entre os vários fatores, dos processos metabólicos e de interações que podem ocorrer durante o processo de ensilagem. Esse entendimento é necessário para a tomada de decisões mais assertivas na busca de melhores resultados. Esse resultado superior em um processo aqui, não significa um melhor resultado em uma etapa mais adiante. Por exemplo; não basta ter simplesmente muito ácido acético para inibir fungos, pois isso pode provocar uma interação negativa no consumo de MS pelos animais onde os níveis de ingestão da matéria seca tendem a diminuir.
O tema é amplo e há outras possibilidades mais tradicionais, como silagem de milho planta inteira, silagem de sorgo e a ensilagem de algumas outras forrageiras. Com o milho, ainda podemos produzir silagem de partes da planta como (stalklage: a planta inteira menos a espiga, toplage: o topo da planta mais a espiga, snaplage: silagem da espiga, earlage: espiga sem a palha, grão úmido/reidratado), a de cana de açúcar entre outras. No dia a dia, o produtor pode questionar se é possível fazer a conservação de determinado material ou resíduo de algum processo industrial de alguma atividade mais regional, (veja que tudo demanda questionamento para verificar a viabilidade e a eficiência de seu uso em uma propriedade dependendo da atividade exercida) e são processos que como alguns detalhes descritos acima no texto, se aplicam também a esses outros matérias e plantas. Essas respostas só podem ser obtidas através da pesquisa cientifica. Alguns materiais já são bem estudados, e outros ainda necessitam mais estudos por demandar maior atenção.
Nunca é demais lembrar, sempre busque orientação no uso dessas tecnologias para obter o melhor resultado em um determinado objetivo, na produção da forragem a ser ensilada, na conservação desse material, no desempenho zootécnico proporcionado pelo uso deste produto e no resultado econômico da atividade como um todo.
Portanto, a fábula da formiga e da cigarra nos ensina a importância de planejarmos e nos prepararmos para o futuro, seja no contexto de uma fábula ou na gestão de um negócio.
Luciano Aurélio Lara Engenheiro Agrônomo